domingo, 7 de dezembro de 2014

Como fazer um arranjo para conjunto vocal ou instrumental

O objetivo deste artigo é orientar aos músicos que querem formar um conjunto instrumental, uma pequena orquestra ou um coral. Existem certas técnicas que permitem obter resultados satisfatórios em pouco tempo
                           
Em geral acontece que já nos primeiros ensaios aparece o problema de conseguir que o conjunto tenha um bom som. Espero que estas dicas sejam úteis, embora não esgotem um tema certamente complexo. Quero salientar que as dicas a continuação não pretendem ser um curso de instrumentação. Compor uma sinfonia, ou transpor para uma grande orquestra sinfônica uma partitura originalmente escrita para piano, se for o caso, exigirá estudos muito mais aprofundados. Não obstante, quero animar àqueles que quiserem desfrutar da experiência maravilhosa que é moldar uma instrumentação ou as vozes de um coral. 

1-      Considere sempre que misturar o som de dois ou mais instrumentos produz um volume e umtimbre resultante.

Isto significa que não todos os instrumentos irão combinar bem entre eles sem certos cuidados. A pior coisa que se pode fazer é que todos os instrumentos toquem ao mesmo tempo durante toda a partitura. Este recurso não é proibido, mas se deve reservar para momentos de grande força na música, um ponto culminante, um final ou uma introdução. Escutar toda a massa instrumental tocando permanentemente sem parar, aborrece o ouvido. É bom alternar instrumentos, fazendo um “diálogo” entre eles. Ouça este exemplode diálogo entre instrumentos.

2-      Procure que quando dois ou mais instrumentos tocam ao mesmo tempo, cada um deles faça uma melodia coerente.

Esta é a condição para que o som de todo o conjunto seja harmonioso. Não é suficiente usar os acordes certos, sem uma disposição sucessiva coerente das notas.

Vejamos em primeiro lugar os arranjos para conjuntos instrumentais quando a partitura original é para piano.
Há várias possibilidades.

Quando a música original tem uma estrutura contrapontística, por ex., uma Fuga de Bach a duas ou mais vozes,  as linhas melódicas já existem e faltaria só escolher os instrumentos para cada uma das vozes. Pode-se dar a cada voz mais de um instrumento. Por exemplo, 1 violino e uma flauta para a voz mais alta, uma viola e um oboé para a segunda voz, e assim por diante.

Porém, não sempre é recomendável repetir uma mesma combinação durante todo o tempo. No exemplo da Fuga, seria bom deixar também que o violino não toque ao uníssono com a flauta durante muito tempo.É bom permitir que a flauta toque sem o violino, às vezes a flauta pode tocar junto com o oboé, em fim, as combinações podem ser muitas e isso dependerá da imaginação do arranjador. É importante evitar a monotonia, mas veja também que um excesso de variedade pode incomodar, por falta de coerência, e até ser contrária ao estilo original do compositor. Isto também vai depender da imaginação do arranjador e do seu bom gosto e conhecimento do estilo próprio de cada música em particular.

É bem diferente quando se trata de uma melodia com acompanhamento de acordes na partitura original. Nesse caso o problema é repartir tudo isso para vários instrumentos. Referente à instrumentação da melodia, vale a mesma dica dada acima, ou seja, evitar a monotonia, mas sem abusar da variedade.

Vejamos agora o acompanhamento. Freqüentemente este é o maior desafio para os arranjadores. O baixo do acompanhamento aparece claro, mas as partes intermediárias...  Esse é o quebra-cabeça. É impossível resumir em poucas palavras o que daria para escrever um livro inteiro. Vou tentar um resumo, mas acrescentando que o melhor arranjador é quase sempre um compositor experiente. Dito isto, vejamos algumas dicas que poderão ajudar a resolver certos problemas, sem esgotar o tema.

Você deve observar, em primeiro lugar, se os acordes são de um número constante de notas. Vamos supor que são acordes de três notas durante dez compassos seguidos. Em termos de arranjo, isto significa que temos três vozes e cada uma segue uma “linha” melódica bem definida, durante os dez compassos, e podem ser tocadas por instrumentos que você pode escolher. Respeitando essa estrutura, cada um dos instrumentos terá automaticamente sua própria melodia.

                                                                 

Porém, às vezes acontece que a seqüência de acordes se movimenta para o agudo ou grave, saindo do registro normal dos instrumentos escolhidos. Se isso acontecer, a solução é transferir para outro instrumento a mesma linha melódica, mas não qualquer um, senão para um cujo timbre seja o mais parecido possível. Caso contrário, o ouvido vai perceber um “pulo” que não sempre será de bom efeito. Se você fizer uma coisa assim, tem que ser proposital na busca de algum efeito especial para chamar à atenção.

Vamos supor agora que a seqüência de acordes de três notas se interrompe e passa a ser de duas ou quatro notas. Essa é a oportunidade para que um dos instrumentos fique em silêncio, ou, contrariamente, para adicionar mais um instrumento. Caso adicionar instrumentos, cuide que o timbre do acorde não mude muito. É bom adicionar instrumentos de timbres iguais ou semelhantes. Não adicione, por exemplo, um trompete num acorde de flautas + clarinetes, porque o trompete vai sobressair de mais.

Uma última dica, é que a melodia principal tem que se diferenciar bem do acompanhamento. A forma mais fácil  de conseguir isto é cuidar que o timbre da melodia seja bem diferenciado do acompanhamento. Não sempre é suficiente indicar somente uma dinâmica mais forte para a melodia. Por exemplo, se uma flauta toca a melodia e o acompanhamento é feito pelas cordas, é garantido que a melodia vai se destacar sem esforço do executante. Cuidar este detalhe é importante aos efeitos da expressividade da parte solista.

Isto último não quer dizer que seja de mau efeito permitir que a melodia principal seja tocada por um instrumento da mesma espécie que os do acompanhamento. Até é freqüente ver casos onde um violino solista se escuta muito bem tendo um conjunto de cordas acompanhando-o. A característica nesses casos é que o violino sempre vai por cima do acompanhamento e, logicamente, em comparação vai tocar mais forte.   

3-      Deixe o baixo independente, mas cuide que a distância com os acordes que o acompanham não seja maior de uma oitava.

Salvo exceções muito justificáveis, é de mau efeito que as notas do baixo estejam a grandes distâncias do resto da harmonia. Se for assim, o baixo se escutará por separado em lugar de funcionar como a base que apóia toda a estrutura em conjunto.  

Um recurso bem interessante – mesmo que significasse alterar em certa forma a partitura original – é tirar a melodia da parte mais aguda e coloca-la no meio. Este procedimento faz que a melodia fique “envolvida” pelo acompanhamento. Às vezes a melodia também se pode colocar no baixo, em cujo caso não é preciso cuidar tanto a distância porque o objetivo é diferente. Não obstante, este recurso não se pode aplicar em músicas cuja estrutura seja o contraponto, porque distorce o estilo e a estrutura formal da música.

Agora quero chamar especialmente à atenção num ponto relativo ao acompanhamento. Não separe de mais o espaço vertical entre as notas que constituem os acordes do acompanhamento. O resultado não é bom, porque produz uma sensação de desmembramento que até poderá fazer que a música seja ininteligível. Respeite sempre a disposição original de cada um dos acordes.

Não obstante, a distância entre a melodia e o acompanhamento pode ser mais flexível, mas não abuse se não for propositalmente para algum efeito especial.

4-   Falemos agora em música vocal.

Um arranjo para coral é semelhante a um arranjo para conjunto instrumental. A diferença é, obviamente, o limite das vozes humanas. Sempre é bom lembrar que os cantores de corais não são cantores de ópera... Não exiga mais do que esses cantores, muitas vezes só amadores, possam fazer com as vozes.

Também considere qual é o número de pessoas que integram o coral e se a proporção entre as vozes altas, medianas e baixas é a correta. Se não for assim, o primeiro que um arranjador deve fazer é corrigir o que está errado.  Para dar um exemplo extremo, cinco sopranos, oito contraltos, dois tenores e dez baixos... vai soar muito ruim, embora o arranjo seja perfeito.

Aliás, a mesma recomendação é válida para os conjuntos instrumentais. Não adiantará fazer um excelente arranjo para uma orquestra integrada, por caso, com dez violinos, uma viola, nenhum violoncelo e quatro contrabaixos. Uma disposição assim, poderá ser aceitável somente se o compositor (não o arranjador) tivesse especificado isso com algum propósito intrínseco da música. E, logicamente, isto mesmo é válido para a música coral. A dica é sempre observar o que o compositor quis quando escreveu a partitura original.

Ainda cabe uma pergunta oportuna. Se for o caso de uma orquestra, ou conjunto vocal, desparelho por causas alheias à vontade? Acontece que nem sempre é possível reunir um conjunto de músicos na proporção que seria desejável. Sempre falta ou sobra alguém. Sopros de mais, poucas cordas, muita percussão... Em fim, às vezes isto acontece na hora de integrar conjuntos com amadores. Para esses casos eu recomendaria tentar uma boa escolha do repertório, um que não vá a contrário das características do conjunto, ou também, não deixar que alguns executantes participem em certas músicas e reserva-los para outras. Lembro-me neste momento de um caso que presenciei, onde havia uma orquestrinha integrada com sete violinos, só uma viola, dois violoncelos, um piano, uma bateria e quatros violões. Eles queriam tocar o famoso tema final da Nona Sinfonia de Beethoven. Deixo o assunto por aqui...!    

4-      Não se esqueça dos limites naturais das vozes e dos instrumentos.

Toda vez que for possível, divida o grupo de instrumentos, ou de vozes, para facilitar uma dificuldade. Por exemplo, em lugar de pedir que os violinos toquem todo um trecho em duplas notas, faça uma divisão: a parte aguda para os violinos e a parte baixa para as violas. Ou, também, dividir os violinos em I e II com o mesmo propósito.

Nas vozes humanas também pode acontecer coisa semelhante. Em geral, evite fazer cantar as sopranos do coral em oitavas. É preferível que a parte alta seja cantada pelas sopranos e a parte baixa pelas contraltos. Se fossem os tenores, a parte baixa será cantada pelos barítonos ou os baixos.

Mas a divisão nem sempre tem que ser feita para solucionar dificuldades. É muito usado o recurso de dobrar uma melodia à distância de terça, sexta ou oitava. Toda vez que você dobrar assim uma melodia, cuide do registro em que os respectivos instrumentos devem tocar. A duplicação à terça ou sexta, utilizando instrumentos de uma mesma espécie (por exemplo, flautas) sempre é de bom efeito, mas nunca perca de vista que esses paralelismos devem estar na partitura original. Caso contrário, se introduzidas pelo arranjador, alterarão a estrutura harmônica e o resultado nem sempre será bom.

As duplicações à oitava não alteram a harmonia original, mas se deve cuidar que uma das partes dobradas não resulte prejudicada. Isto é particularmente certo para instrumentos de sopro. Por exemplo, duas flautas tocando a mesma melodia dobrada à oitava. Nesse caso, a flauta que toca a parte baixa vai soar muito mais fraca e ainda pior, muitas notas serão impossíveis de dobrar porque o limite do registro do instrumento pode ser ultrapassado. A solução é dobrar usando instrumentos com afinidade, como por exemplo, flauta para a parte aguda e oboé ou clarinete para a parte baixa. Ou, também, dependendo da altura em que a melodia se desenvolve, a parte alta tocada por um clarinete e a parte baixa por um clarinete baixo ou um fagote.

Os instrumentos de arco podem apresentar problemas semelhantes, mas há uma característica a cuidar. Uma melodia dobrada à oitava, onde os Primeiros violinos tocam a parte alta e os Segundos violinos a parte baixa, vai produzir um timbre um pouco desequilibrado, porque necessariamente serão usadas cordas diferentes nos Primeiros que nos Segundos para tocar. Por isso, será melhor dobrar com as violas todos os violinos. Logicamente, isto se aplica em qualquer instrumento de arco quando for o caso.

Mais um cuidado a ter com as duplicações à oitava consiste em evitar que a parte dobrada interfira com o acompanhamento. Sempre é recomendável que uma melodia em oitavas esteja por cima de todo o acompanhamento evitando qualquer cruzamento. A mesma recomendação é válida para um baixo dobrado em oitavas; sempre é bom que todas as oitavas estejam completamente abaixo dos acordes evitando cruzamentos.

5-      Os casos onde o arranjo é uma redução.

Arranjar para piano uma música originalmente composta para conjunto vocal ou instrumental, já é diferente. Fala-se em “redução”, precisamente, porque todas as partes distribuídas em pautas diferentes, formando a harmonia, devem ser reunidas em forma de possibilitar a execução num só instrumento. Deve-se trabalhar desta forma:

a)      Não omitir nunca as notas importantes da harmonia.
b)      Podem-se omitir ou criar duplicações de notas, segundo seja o caso.
c)      Tudo isto se deve fazer contemplando as características técnicas e de som que são próprias do instrumento para o qual o arranjo será feito.

6-      Faça uma boa escolha dos instrumentos.

Existe um imponderável freqüentemente chamado “a alma do instrumento”. Isto significa, nem mais nem menos, que há muita música que não tolera arranjo nenhum. A causa é, precisamente, que em geral a música é pensada para determinado instrumento e vai soar otimamente só nesse instrumento. Um bom exemplo é o violão. Muito dificilmente vai soar bem uma transcrição para piano e, quase seguro também não, a transcrição para violão de uma música original para piano. O risco dessas transcrições é que fiquem com uma pobreza de som sem solução. Naturalmente, se podem citar exceções, mas não fazem a regra. Outro bom exemplo é a música sinfônica transcrita para piano; nunca vai soar com a riqueza de timbres e a força de uma grande orquestra, mesmo que o arranjador tivesse feito um excelente trabalho.

É que hlimites neste sentido e não se podem ignorar. A escolha dos instrumentos a serem utilizados, até para formar um conjunto instrumental, é um fator que não se pode descuidar. Nem todos os instrumentos soam bem tocando juntos. Também nem todas as misturas de timbres são adequadas em relação ao estilo do autor da música a ser arranjada.

Sei que este ponto de vista poderá ser discutido, mas também sei que qualquer pessoa com boa formação musical vai concordar em que há arranjos impossíveis. Eu até diria que na hora de integrar um conjunto vocal ou instrumental não se pode proceder à toa. Quantas vozes integrarão o coral que queremos formar? Quais são os instrumentos que queremos reunir, e quantos, para formar uma orquestra ou conjunto de câmara? Qual é o estilo de música que pretendemos fazer e quais são os instrumentos mais adequados para esse estilo? Estas são algumas das perguntas que devemos formular em primeiro lugar, antes de começar a trabalhar transcrevendo partituras originais. Se pretendermos fazer um trabalho profissional é preferível não fazer nenhum arranjo até o momento em que todas as condições necessárias estiverem em ordem.

7- Considere a máxima e mínima intensidade possível do som.

Esta última dica fecha, em certa forma, o início deste artigo. A soma de todos os instrumentos tocando juntos, não dá por resultado a multiplicação linear em intensidade de som. Isto significa que dois violinos não multiplicam por dois a intensidade. Três não a triplicarão. E assim por diante, e isto é válido para absolutamente toda a orquestra e também os coros. Cem vozes não soam cem vezes mais forte que uma só.

Na hora de fazer um arranjo há uma dificuldade muito comum e é uma falta de domínio destes fatores. A solução é bem simples, ou seja, se você achar que não consegue um fortíssimo suficiente, não duvide em revisar os compassos anteriores para comprovar que há instrumentos em excesso. Ou, pelo contrário, se a dificuldade for conseguir um bom pianíssimo, é quase seguro que nos compassos anteriores está faltando adicionar instrumentos para que, logo, haja contraste suficiente.

Logicamente, isto não significa restar importância às indicações de ff ou pp, mas poderia acontecer que não fossem suficientes. Não adianta pedir mais dez violinos na orquestra para que a melodia principal soe mais forte!
Certo regente dizia que quando a orquestra soava muito fraca era porque estava tocando muito forte...

Também é importante considerar a mistura de timbres. Esta área é uma das mais abertas à imaginação criativa. Só para dar um breve exemplo, si fizermos tocar ao uníssono um trompete e uma flauta, o som que vai predominar é o do trompete e não escutaremos a flauta, mas se tirarmos a flauta, perceberemos em seguida que algo está faltando no timbre do trompete. Aliás, o efeito poderá variar se a dinâmica for f  ou  p. Há inúmeros exemplos possíveis, todos com resultados diferentes e até imprevisíveis. Tudo depende, em grande medida, do conhecimento do arranjador quanto aos instrumentos que utilizará.

Quero dar agora um exemplo muito bom para entender até onde a mistura de timbres pode influenciar no resultado. Todos os instrumentos de arco soam com um timbre parecido. Porém, si fazemos que os violinos e as violas toquem no registro grave, ao mesmo tempo em que cruzamos o violoncelo por cima de todos eles, escutaremos quase um “canto” de incrível expressividade.  A causa é que, às vezes, o ouvido nos engana; o timbre dos instrumentos de arco é “parecido”, mas não “igual”, e si fazemos tocar juntos todos eles da forma recém vista, as pequenas diferenças se acentuam muito consideravelmente.  


O tema não se esgota por aqui. Convido você fazer alguma consulta ou comentário, se quiser tirar alguma dúvida neste tema evidentemente tão complexo.

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